sábado, 28 de maio de 2011

The Tree of Life- Eine Symphonie auf dem Bildschirm




Não é a berrar que o Homem se faz ouvir, ou a brilhar que se faz ver. Perante a vastidão do Universo e a força bruta duma natureza fogosa e marulhenta, é apenas na criação artística que um ser tão diminuto no panorama universal arranja espaço para se impor. Quando em 1977 se tentou comunicar com vida extra-terrestre através do “Voyager Golden Record”, a música foi a grande protagonista, ocupando mais de uma hora na gravação. E não há de ter sido por acaso. O expoente máximo da humanidade reside na arte, e só através dela podemos expor algo que se faça realmente ver ou ouvir. É a nossa forma de ripostar face à insignificância que nos persegue.
Não que toda a arte seja grandiosa ou que o deva tentar ser; grande parte da melhor arte prende-se com temas pequenos e inúteis, válidos somente para o usufruto do belo. Contudo, de quando em quando, algum génio de tímida frequência, qual Zeus dum Olimpo terrestre, despedaça-nos os sentidos com os seus raios criadores. De entre os poucos e ousados capazes de fazer jus à tarefa hercúlea de elevar um assunto apocalíptico aos céus, nomeiam-se sem dúvida Bach e Mahler, na música, não esquecendo os Requiems do Mozart ou do Fauré como exemplos proeminentes. No cinema, poucos igualam o cosmológico 2001 Odisseia no Espaço ou atingem o estatuto de Ingmar Bergman no Sétimo Selo ou no mais humano de todos os seus filmes: Persona. É através da arte que podemos mimetar a imensidão que nos envolve e é apenas com grandiosidade que essa imensidão pode ser satisfatoriamente imitada. Os esforços supérfluos para tratar os “grandes temas” são a escória da arte. Os profundos pouco esforçados, por outro lado, o seu auge.
Eis que 100 anos após o fim de Gustav Mahler, mais precisamente na semana em que se comemorou o centenário da sua morte, Terrence Malick traz a Cannes o fruto dum trabalho de mais de 6 anos: “The Tree of Life”. O seu quinto filme ou sinfonia de imagens, como alguns lhe chamam, que finalmente lhe deu a Palma de Ouro. Eu gosto de pensar que é a 11ª de Mahler, e no fim explicarei porquê.
Em 67 anos de vida e 42 de trabalho, realizar apenas 5 filmes é muito pouco. Kubrick não andou muito longe disso, mas aos génios permitem-se loucuras. E a Malick? Até ontem não tinha visto nenhum filme dele, mas se os outros 4 forem do nível deste 2011 Odisseia no Espaço, parece-me justo.
As comparações com o filme de Kubrick não se devem somente ao tema, o “Grande Mistério do Sentido da Vida”. Para além da análise da evolução da vida desde o Big Bang aos tempos de hoje, toda a realização e cinematografia demonstram uma acuidade no uso da câmara que se classificará, no mínimo, como poética. Se a delicadeza duma estação espacial dançante conjugada com um Danúbio azul tecnológico ou a viagem final pelo tempo, espaço, cor, som e existência nos apanhou desprevenidos, a sequência cosmológica da origem, evolução, força e beleza do universo e da natureza, sustentada por uma Lacrimosa menos familiar e excertos de requiems pesados, também nos leva ao céu. E como se o paralelismo cosmológico com Kubrick não bastasse, a vertente humanística e religiosa de Bergman também está presente. Não me parece casual a escolha de Jessica Chastain, cara chapada de Liv Ulmann há 40 anos, para desempenhar o papel quase mudo e recheado de close-ups duma mãe que eventualmente acaba por perder um dos filhos, qual Elisabeth Vogler ou Alma Mahler.


O tema do filme é imediatamente exposto no título e na citação de Job que aparece logo no inicio. Começamos então por ver uma luz/chama espirituosa com presença intermitente em todo o filme e por ouvir uma mulher, em voz-off, a asserir: “There are two ways through life: the way of nature, and the way of Grace. You have to choose which one you'll follow.”
A partir desse momento estamos cientes do tipo de filme a que vamos assistir. Uma “guerra” dicotómica entre a fé e a ciência, exposta dum ponto de vista céptico e inconclusivo.
Meet the Obrien’s: Típica família da suburbia americana dos anos 50 constituída pelo Pater-familias (Brad Pitt), pela Mãe (Jessica Chastain) e pelos seus três filhos, Steve (Tye Sheridan), R.L (Laramie Eppler) e Jack (Hunter McCracken), sendo este último o primogénito. A primeira imagem que temos deles é a da mãe (já nos anos 60?) a receber um telegrama (vindo da Guerra do Vietnam?) a anunciar a morte de um dos filhos (R.L, presumivelmente) e do pai a receber uma chamada com a mesma notícia. Os sons titânicos do início da 1ª sinfonia de Mahler (tão adequada como teriam sido as Kindertotenlieder) começam e a atmosfera é pesarosa. “O que é que pode suavizar a morte, que não a fé?” “Porque é que o quiseste assim?” “Fiz algo que Tu não aprovasses?” A chama reacende-se e a voz-off, arrepiante como no inicio, questiona-se.
Seguidamente vemos um adulto de sucesso (mais tarde descobrimos ser Jack já adulto) (Sean Penn), num outro tempo e duma outra geração, na sua casa moderna e no seu posto de prestígio. Mas algo não está bem com ele. A sua cara denuncia tristeza e desespero extremo. Lembrava-se da morte do irmão.
É então que o filme dá a sua primeira reviravolta. Entramos na tal viagem kubrickiana já mencionada e por fim voltamos aos O‘brien. Aqui a atmosfera já é outra, a morte é substituída por nascimento e o pesar por folia. Mahler é trocado por Smetana e ouvimos um Moldeau alegre, jovial e caloroso. Nasce Jack.
Por esta altura o filme ganha outro tom. Os assuntos cosmológicos e existenciais são postos de parte e a câmara foca-se no desenvolvimento ontogénico. Como no Amarcord, de Fellini, assistimos aquilo que serão (presumivelmente) as memórias da infância de Malick, dos seus pais, da sua cidadezeca interior e sulista, das suas idas à mercearia, do primeiro contacto com as caras do crime e da corrupção do mundo real. Eis que surge uma nova dicotomia, desta vez alegorizada pelos seus pais: “Father, Mother. Always you wrestle inside me. Always you will.”

Mr. O’Brien, simboliza o ideal conservador americano. Rigidez, patriotismo, mérito e esforço. Inspirado pelo “ex-barbeiro que hoje em dia possui mais de metade dos imóveis da cidade” e pelos desenvolvimentos tecnológicos da Pan Am (para a qual trabalharia?), O’Brien educa os seus filhos com morais inertes e baseadas no respeito. Certos momentos aterrorizantes como “Jack, do you love your father?” “Yes, Sir”, exprimem alguma desaprovação pela frieza deste método, mas as consequências práticas e a constante lembrança do negrume da sociedade apoiam-no, por outro lado, mantendo-se assim a imparcialidade e a dúvida. A Mãe, por sua vez, simboliza os valores altruístas (embora “fracos para enfrentar a realidade”) da benevolência, carinho, despreocupação e solidariedade. Apesar de Malick dar maior ênfase aos problemas derivados da influência paterna (Jack torna-se frio, cruel e iradamente revoltado – Num piscar de olho ao Toy Story vemo-lo comparado a Sid, quando prende uma rã a um mini - foguetão - um dos muitos pastiches deste filme), é o outro irmão, mais parecido com a mãe, que morre aos 19.
Mas nem todos os momentos desta parte do filme são de cariz reflexivo. Na maioria do tempo assistimos a momentos de cumplicidade entre os familiares, a momentos meramente evocativos das situações e sentimentos que melhor descrevem a vida, preenchidos por sinfonias de Brahms ou pela eterna e vital tocata e fuga em Ré Menor ou excertos do Cravo bem-temperado, de Bach.
Falando agora da prestação dos actores, pouco se-lhes pode apontar. Os seus papéis foram sempre mais passivos que activos, se bem que suficientemente expressivos e adequados. Sean Penn aparece poucos segundos, somente para florear o casting, e Brad Pitt (num papel inicialmente pensado para Heath Ledger ou Colin Farrell) esteve à altura e Jessica Chastain e as crianças idem. O grande mérito é realmente de quem escolheu e caracterizou o casting.

The Tree of Life - Gustav Klimt

“The Tree of Life” talvez peque por uma tirada menos boa, ou excessivamente melodramática, mas também não é no escasso diálogo que reside o seu cerne. Neste filme, qual sinfonia Mahleriana, assistimos a todas as sensações e emoções que compõem a vida. Passamos da realidade funesta e inquietante da morte duma criança para os fantasiosos momentos do júbilo natal e da potencialidade que tem uma vida. Sentimos o poder da arte, fruto duma criação artificial, e contrastamo-lo com a imponente e inigualável beleza natural. Viajamos do infinito ao ínfimo, do espaço à célula, do adulto ao infante. A árvore da vida é um filme fresco, quente, harmónico e avassalador. Toda a pujança da vida é pintada e reproduzida nas quase 2:30 horas que o filme ocupa que, apesar de longas, passam a correr. Tal como se diz da vida.

5/5

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