sábado, 13 de março de 2010

Bach na Gulbenkian

Johann Sebastian Bach (1685-1750)

Depois dum majestosamente descalibrado Schiff e dum entusiasticamente virtuoso Yoyo-Ma, o auditório da Gulbenkian foi palco duma sucessão tripla dedicada à música antiga, mais especificamente a Bach. Desta forma, o ensemble Café Zimmermann tocou, em dois dias, 7 e 11 de Março, o integral dos concertos brandeburgueses (1-6) e dois concertos do mesmo compositor: Concerto para Cravo em Fá menor e Concerto para dois Violinos em Ré menor. Andreas Staier, por outro lado, tocou as 32 Variações Goldberg, BWV 988, no cravo, a 9 de Março.

Andreas Staier

Principiando pela exibição solista, creio ser pertinente introduzir um pequeno parêntesis sobre a peça em questão:
- Aquando da sua estadia em Leipzig, por volta de 1741, Bach, por encomenda dum Conde que sofria de insónias, compôs um conjunto de 30 variações (e uma ária repetida no início e fim da peça, servindo de base para todo o resto), com o intuito de o entreter nessas noites em claro. Como o conde tinha o seu próprio cravista, um jovem de 14 anos chamado Goldberg, Bach achou por bem atribuir o seu nome à peça que lhe era dirigida, nascendo, então, as Variações Goldberg, homónimas do seu primeiro e original intérprete.
Actualmente as variações Goldberg são tocadas também no piano, sendo Glenn Gould o intérprete que as consagrou neste instrumento, fazendo-o em 1955 para a Columbia Records, numa gravação que lhe impulsionou a carreira e repetindo a graça em 1981 para a Sony, com uma interpretação quase duas vezes mais lenta. Recomendo vivamente a segunda de Gould e a de Schiff (Decca Originals) a qualquer apreciador de Bach.



Findada esta breve introdução, falar-vos-ei agora do concerto que me comprometi a comentar. Habituado ao piano, nunca tinha ouvido uma rendição integral desta peça no cravo, tendo ido para o auditório com expectativas divididas quanto a esta peça: Por um lado, prefiro Bach tocado no piano que no cravo; por outro, as Variações Goldberg são provavelmente a minha peça preferida de Bach para um instrumento de teclas…
Independentemente das minhas ânsias, o concerto começou e Staier definiu na ária imediatamente o tempo que iria demarcar o resto das variações. Marcando algo não tão lento como a segunda gravação de Gould mas não tão rápido como a primeira, Andreas presenteou-nos com um meio-termo agradável e equilibrado, ao mesmo tempo que pessoal e expressivo. Toda a peça foi fluindo com naturalidade, não divergindo muito da sua versão no piano, até à 8ª variação, onde começou a principal disparidade entre a versão cravística e a do seu sucessor evolutivo. Aqui o intérprete passou a tocar a peça em dois teclados (verticalmente sobrepostos) dando uma dinâmica às variações impossível de atingir com o piano. É também de notar alguns efeitos que nunca tinha ouvido serem feitos (ainda não sei como) com o segundo teclado, tornando esta peça ainda mais polifónica do que já era.
É também de notar (apesar de com alguma infelicidade) o comportamento lastimável da plateia da Gulbenkian, que parece não se curar. As constantes tossidelas entre os andamentos (e não nos apogeus sonoros, como é recomendado) têm um efeito ainda mais notório na presença de solistas, o que até levou Andreas Staier, demonstrando um sentido humor cáustico, a tirar um rebuçado para a tosse do bolso a meio do concerto e ingeri-lo perante todos os seus assistentes.

Café Zimmermann

Passando agora para os dias 7 e 11, farei também, à semelhança do parágrafo anterior, uma pequena introdução concernente às peças em questão, e, desta vez, também aos seus intérpretes.
Formado em 1998 por Pablo Valetti (violinista) e Céline Frisch (cravista), o ensemble Café Zimmermann é uma formação orquestral cuja quantidade de músicos varia entre os 6 e os 25. Dedicado especialmente à música antiga, este grupo foi buscar o seu nome ao Café de Gottfried Zimmermann, situado na Rua de Santa Catarina, em Leipzig, que no século XVIII acolhia concertos semanais do Collegium Musicum, um grupo fundando por Telemann e dirigido por Bach entre 1729 e 1739.
260 após a morte de Bach, o ensemble Café Zimmermann realizou esta sessão dupla no auditório da Gulbenkian tocando integralmente os concertos de Brandeburgo. Concluídos em 1721, estes 6 concertos foram criados com o intuito de agradar ao príncipe Christian Ludwig, margrave de Brandeburgo – um douto coleccionador de música.
Provavelmente as obras concertantes mais famosas de Bach, os concertos Brandeburgueses requerem uma interpretação digna da magnitude da peça em questão, o que obriga os executantes a tocar com uma maviosidade pertinaz.
Felizmente, foi exactamente isso que o ensemble Café Zimmermann fez desde o princípio do primeiro concerto a ser tocado (nº4), logo no dia 7. Pablo Valetti e todos os outros músicos atribuíram a esta peça a tessitura adequada à execução de peças barrocas, e diga-se também que o uso de instrumentos antigos (viola de gamba e violone) só veio enaltecer a óptima prestação do grupo. Sobre o concerto de cravo em fá menor, que sucedeu a primeira peça, parece-me adequado dizer ter sido o ponto alto da noite. A cravista Céline Frisch garantiu que o seu papel na orquestra não passava ao lado dos olhos dos espectadores, que, no fim da peça, a aplaudiram correspondentemente.
Seguiram-se os concertos nº6 e nº2 que, à semelhança dos outros, passaram sem qualquer erro a apontar.
Passando agora para o dia 11, é com infelicidade que afirmo que os músicos não mantiveram sempre ao nível a que nos acostumaram dia 7. O inovador concerto nº5 foi iniciado sem qualquer tipo de animosidade e os músicos tornaram a primeira parte da peça algo inexpressivo e até mesmo fraco. Contudo, após o virtuoso capriccio do cravo protagonizado novamente por Frisch, a orquestra ganhou um novo estro, o que compensou a falha inicial. A segunda peça, concerto para dois violinos em Ré menor, solada por Valetti e Plantier, esteve ao nível do que assistimos no primeiro dia, indo os justos aplausos desta vez para os violinistas. Seguiu-se aquele que é talvez o mais famoso concerto Brandeburguês – o terceiro – que foi executado com a vivacidade que o caracteriza e lhe é necessária. No mesmo concerto, o contraste entre o segundo andamento (um adágio que tem apenas dois acordes – o mais curto da literatura musical) foi cuidadosamente demarcado do resto da peça, mas ao mesmo tempo bem inserido, o que retira à peça a estranheza que por vezes os músicos erradamente lhe conferem.
Finalmente, o ensemble Café Zimmermann tocou o concerto nº 1 – o mais elaborado dos seis. Todas as 7 partes deste concerto (o quarto andamento está dividido em 4 partes) foram alternadas com a riqueza tímbrica e tonal obrigatórias a uma boa execução, o que fez com que os Zimmermann fechassem esta série barroca em grande.

Nota final : 4.5/5

Q

2 comentários:

joão pedro reis disse...

Cinema e música antiga: uma ligação especial.Os melhores: A Pequena Crónica de Anna Magdalena Bach, de Sraub, Tous Les Matins du Monde, de Alain Corneau, O Rei Dança ... normalmente este filme é muito maltratado.
joão pedro reis

João Queirós disse...

Obrigado pelo comentário e pelas sugestões. Hei de vê-los, com certeza!

 
Site Meter