domingo, 18 de julho de 2010

Pequena excursão pelo cinema Psiquiatrico

Adepto desta enigmática ciência, é com extremo interesse e ânimo que vejo filmes cujo tema central é a Psiquiatria.
Como tal, falar-vos-ei dos últimos filmes que vi sobre esta temática e deixarei algumas recomendações para interessados no assunto.

Spellbound (1945), de Alfred Hitchcock - Protagonizado pelo robusto icone desta geração - Gregory Peck - e pela bonita e adorável Ingrid Bergman, Spellbound é uma incursão Freudiana duma psiquiatra recém-formada ao subconsciente dum esquizofrénico amnésico, feita com o intuito de provar a sua inocência face a uma acusação de homicídio.

Com algumas cenas oníricas desenhadas pelo próprio Salvador Dali, Spellbound é quase inqualificável em termos de género, dada a mescla de acontecimentos que compõem este elaborado e astuto enredo. De Film Noir, a drama psicológico, a policial, tudo é insuficiente para categorizar esta obra-prima. Só resta mesmo uma palavra: Spellbinding.
(5/5)


Spider (2002), de David Cronenberg
- Londres, anos 80. "Spider", um esquizofrénico paranóide, chega a uma instituição psiquiátrica onde começa, sozinho, a viajar mentalmente até à sua infância, 20 anos atrás.


Nessas suas deambulações assiste aos acontecimentos que levaram ao seu estado presente, nomeadamente, à morte da sua mãe. Serão, porém, estas percepções claras e verdadeiramente ilustrativas da realidade? Spider é uma brilhante película tecida por Cronenberg e magistralmente protagonizada por Ralph Fiennes que acaba por ser um dos melhores trabalhos de ambos estes grandes senhores do cinema actual. Imperdível
(5/5)


K-PAX (2001), de Ian Softley
- A dupla Kevin Spacey e Jeff Bridges (que se encontram 7 anos depois em "The Men Who Stare at Goats") aparece aqui como paciente e terapeuta, respectivamente. Spacey afirma ser "Prot", um extra-terrestre do Planeta K-PAX, mundo em que há paz, dois sóis, auto-regeneração e teletransporte.


Inicialmente ridicularizado, Prot começa a causar sucesso no hospital à medida que vai reabilitando pacientes supostamente incuráveis, a discursar eloquentemente sobre grandes teorias teológicas e físicas e apresentar novos factos à ciência terrestre. A sua tese é tão convincente que o próprio psiquiatra chega a pôr a hipótese de ser realmente verídica...Não é nenhuma obra-prima, mas ainda assim recomenda-se vivamente.
(4.5/5)

Gaslight (1944), de George Cukor
- Um ano antes de contracenar com Peck e trabalhar com Hitchcock em Spellbound, Ingrid Bergman já se tinha deparado com outro grande mestre do cinema Noir dos anos 40: George Cukor. Felizmente para a sua versatilidade enquanto actriz, desta vez apareceu como doente e não como doutora.


Gregory Anton (Charles Boyer), aparenta ser o marido perfeito. Atencioso, presente, preocupado...extremamente preocupado...sinistramente preocupado...propositadamente preocupado? Um excelente drama psicológico e uma perfeita ilustração dos poderes da sugestão psicológica e do processo de enlouquecimento. Genial e perturbador.
(5/5)

Shutter Island (2010), de Martin Scorsese , com Leonardo Dicaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley e Max Von Sydow - Como amante de cinema, alimento uma fantasia de qualquer dia vir a realizar eu próprio um filme e, sempre que me imagino a fazê-lo, é um thriller psicológico deste género. Acredito, portanto, que realizadores conceituados como Scorsese e Kubrick cheguem a uma certa altura das suas esplendorosas carreiras e ponham a hipótese de fazer algo totalmente dedicado ao seu virtuosismo técnico, onde possam criar um ambiente apenas possível na tela. Mencionei Kubrick e não foi por acaso. Acho que este filme está para o Scorsese como está o Shining para o Kubrick e, inclusive, ao mesmo nível, senão melhor.


Brilhante, mesmo! (Não incluo nesta recomendação uma sinopse porque simplesmente é impossível fazê-lo sem estragar surpresas do mais agradável que há no cinema). Shutter Island triunfa tanto na história como no som, na imagem e nas actuações. Outra obra-prima de imperioso visionamento.
(5/5)

Lilith (1964), de Robert Rossen - Last, but not least, eis um filme de que se ouve pouco falar. Protagonizado pela pecaminosamente bela Jean Seberg, Lilith (vejam a origem do nome na Wiki) é a história duma ninfomaníaca que tem um poder incomum (embora perfeitamente compreensível) sobre todos os homens que a rodeiam. Vincent (Warren Beaty), um ex-combatente que ingressa agora no hospital para trabalhar como enfermeiro e acompanhante é a sua nova presa...


Lilith é um filme que, independentemente de toda a obscuridade que o envolve, só deixa transparecer beleza. Beleza encarnada na filmagem, na história, e na assustadoramente encantadora Lilith. De todos estes o melhor e o meu preferido.
(6/5)



Lilith


Recomenda-se ainda, dentro desta temática (alguns de forma mais indirecta):

One Flew Over the Cuckoo's Nest (1975), de Milos Foreman; (5/5)

A Double Life (1947) - de George Cukor (5/5)

The Silence of The Lambs (1991), de Jonathan Demme
(5/5) - Apesar do resto da sequela (Hannibal - 2001) ser desprezível. Até perdi a vontade de ver o terceiro.

Persona, de Ingmar Bergman (5/5) - Uma obra prima absoluta.

The Shining (1980), de Stanley Kubrick (5/5)

A Clockwork Orange (1971), de Stanley Kubrick (5/5)

Moon (2009), de Duncan Jones (5/5)

Crash (1996), de David Cronenberg (4/5)


Annie Hall (1977), de Woody Allen (4/5)


Barton Fink (1991), dos Irmãos Coen (4.5/5)


Recordações da Casa Amarela (1989) (5/5), A Comédia de Deus (1995) (5/5) e já agora o último da triologia (este ainda não vi) As Bodas de Deus (1999), de João César Monteiro.

Se7en (1995), de David Fincher (4/5)

Fight Club (1999), de David Fincher (4.5/5)

Mulholland Drive (2001), de David Lynch (5/5)

American Psycho, de Marry Harron (4.5/5)


Para além de todos estes filmes sugiro que dêem uma olhadela ao programa de cinema da Gulbenkian sobre doenças mentais. Alguns deles já mencionei, outros ainda não vi, mas vou certamente fazê-lo. Eis a lista completa:

26 Maio Das Cabinet des Dr. Caligari de Robert Wiene

9 Junho Spellbound de Alfred Hitchcock

16 Junho The Snake Pit de Anatole Litvak

23 Junho Les Yeux sans Visage de Georges Franju

30 Junho Peeping Tom de Michael Powell

7 Julho Vivre sa Vie de Jean-Luc Godard

14 Julho Shock Corridor de Samuel Fuller

21 Julho Lillith de Robert Rossen

28 Julho Persona de Ingmar Bergman

4 Agosto Jaime de António Reis e Titticut Follies de Frederick Wiseman

11 Agosto Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni

18 Agosto One Flew over the Cuckoo’s Nest, de Milos Forman

25 Agosto Elephant ,de Gus Van Sant


Q

15 comentários:

Ana disse...

O Spellbound é o melhor filme do Hitchcock e é dos meus preferidos. Foi a ver esse filme que conheci a análise dos sonhos e fiquei com aquelas ideias na cabeça durante meses xD

Anónimo disse...

algumas pequenas correcções:

inequalificável - palavra inexistente em português, aconselha-se a troca para inqualificável

doutora (no parágrafo sobre o Gaslight) - uma doutora não é necessariamente uma médica psiquiatra recém-licenciada...

Scorcese - ao longo de todo o texto o nome do realizador é referido erroneamente, sendo na realidade Scorsese

esplenderosas - palavra inexistente em português, aconselha-se a troca para esplendorosas


apesar destes pequenos lapsos, perfeitamente desculpáveis dada a natureza do blog, e de algumas discordâncias no que toca a certas interpretações, parabéns pelo esforço! é bom verificar que ainda existem jovens portugueses interessados no cinema de autor.

Anónimo disse...

George Cukor, realizador de alguns dos mais divertidos filmes de sempre como My Fair Lady e The Philadelphia Story, dificilmente poderá ser definido apenas como "grande mestre do cinema Noir dos anos 40"...

João Queirós disse...

Caro anónimo (ou anónimos, visto ser-me impossível concluir que apenas me dirijo a uma pessoa), agradeço as suas correcções ortográficas (apesar de não perceber a necessidade de me repetir, especificando por duas vezes no mesmo post que a Ingrid Bergman desempenha o papel de uma "psiquiatra recém-formada") e agradeço mais ainda o simples facto de ter comentado um dos meus posts. Gostava também de saber a que discordâncias se refere, no que concerne a interpretações. Para finalizar, não queria de forma alguma reduzir o Cukor a um realizador de cinema noir. Mas não deixa de ser verdade que o é e que o fez com excelência durante os anos 40

Rui Fernandes disse...

manda-me o teu e-mail que não consigo encontrar o "tal" que o Indy me mandou. O meu é rui.st.fernandes@gmail.com
um abraço.

Anónimo disse...

Shutter Island é provavelmente um dos filmes mais 'underrated' do ano, passou completamente ao lado da crítica e não percebo porquê.

O filme tem algo que nos envolve do início ao fim. O Leonardo di Caprio faz um papel fantástico-

E aquele fim, enfim.. o diálogo final é mesmo "à la" Scorsese.

Daqui a algum tempo será provavelmente considerado um "filme de culto"

João Queirós disse...

Concordo completamente, mas retiro ao Shutter Island um ponto que inicialmente lhe tinha dado: O da originalidade. A ideia base do argumento e os twists acabam por ser muito semelhantes a outros filmes que o antecederam, mas que só vi depois: "Spider", "The Machinist", "Memento". Todos esses filmes abordam a esquizofrenia como uma patologia consequente de um grande trauma recalcado e usam isso para criar um plot twist no fim. Por outro lado mais nenhum desses filmes questiona as teorias psicologistas vs organicistas e põe em causa a maneira como os psiquiatras muitas vezes maltratam e negligenciam os pacientes. A própria ideia da "Shutter Island", um nome que claramente evidencia reclusão, quando confrontada com a indigência que lá se vive dá muito em que pensar.

Já agora, conheço quem ache que o final não é conclusivo. Concorda?

João Queirós disse...

P.S, o Memento não é sobre esquizofrenia mas a ideia base é semelhante

Anónimo disse...

Não acho que seja inconclusivo. Acho que o filme tem o fim apropriado. Não digo um fim, digo mesmo o fim. Não queria ser directo e revelar o final aqui na secção dos comentários caso alguém os leia antes de ver o filme mas acho que o fim é conclusivo. Ele sabe o que aconteceu e como tal escolhe "pagar" por aquilo que fez. É-lhe impossível aceitar-se depois de tudo o que fez. E a frase final, juntamente com a "catarse" que é possível observar nas cenas finais faz com que ele esteja consciente e que não volte ao mesmo "jogo".

Passou-se o mesmo com a visualização do Inception, um filme que não está de qualquer forma relacionado com o tema mas que para mim o final assemelha-se de certa forma ao fim do Shutter Island no sentido em que há-de sempre haver um debate se aconteceu X ou Y. Será que o argumentista nos dá a resposta? Há quem vá ler entrelinhas, há quem só veja o filme por aquilo que é. Eu quero acreditar que de certa forma o argumentista tem determinado o "final ideal" para o filme e que não deixa o fim da sua obra à mercê do espectador.

Sim Memento não é sobre esquizofrenia mas segue uma linha de acção idêntica aos que foram referidos. Para mim o que estes filmes têm em comum, Memento, The Machinist e Shutter Island é que para além de um grande argumento, têm personagens principais que são bastante bem representadas.

Anónimo disse...

hum, noto aqui uma lacuna considerável. Falta o que considero o melhor filme sobre disturbios psiquiátricos. Mas deixo-o no mistério, quando o descobrir saberá do que se trata certamente.

João Queirós disse...

Atenção amigo anónimo, não era minha intenção fazer uma lista exaustiva de todos os filmes que vi ou que conheça sobre psiquiatria. É um tema muito recorrente e tentar catalogar tudo o que de bom foi feito seria uma tarefa hercúlea. Escrevi este post e fiz aquelas sugestões com base naquilo de que me lembrava na altura. Não é propriamente uma tese sobre cinema e psiquiatria... De qualquer forma, pensando naquilo que é mais mainstream ou tão óbvio quanto sugere, lembro-me dos filmes do Arononsfky, do Donnie Darko, que nunca vi, duns quantos do Almodovar, mas tão indirectamente que duvido que seja o caso, de "Uma Mente Brilhante", que não achei nada de mais e do horroroso "Misteriosa Obsessão". Como é óbvio também não vou andar por aí a pesquisar para poder responder à sua pergunta, e, como os nossos gostos podem muito bem não coincidir, é muito provável que não me aperceba, "certamente", que estarei perante o melhor filme sobre distúrbios psiquiátricos jamais feito. Por isso, amigo anónimo, a menos que mo diga, o seu mistério permanecerá irresoluto.

Anónimo disse...

e eu garanto-lhe que não permanecerá!

Anónimo disse...

Excelente blog,estou deliciada, e descobri novos filmes que ainda nao vi..adorei a referencia ao Gaslight,sem duvida um dos meus favoritos de sempre!

Fernando disse...

Un artículo muy exhaustivo. Gracias por esa relación de películas que me apunto desde ya para ver y comparar ¡Gracias!

João Queirós disse...

Anónimo de 3 de Maio de 2011, passei por aqui e lembrei-me de lhe fazer um favor. Suddenly last summer, será?

 
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