O tom sombrio e inquietante que caracteriza esta música em muito se associa à lugubridade da conotação musical do número 9.
A chamada "Maldição dos 9" afectou uma considerável parte dos grandes compositores de sinfonias do período romântico. A partir de Mozart (que compôs 41 sinfonias) e Haydn (108 Sinfonias!) reinou uma "maldição" que impedia todos os [grandes] compositores de viver após terem escrito a sua nona sinfonia. De entre os exemplos mais proeminentes destacam-se Beethoven, Vaughan Williams, Schubert, Dvořák, Bruckner e, finalmente, Mahler. Dmitri Shostakovich, autor de 15 sinfonias, foi o primeiro grande compositor a quebrar esta funesta tradição.
Gustav Mahler, contudo, impelido pela sua supersticiosa mulher, Alma, tentou "dar a volta" a este problema e fugir à Maldição. Tinha já composto 9 sinfonias quando decidiu apelidar aquela que sucedia a oitava de "Das lied von der Erde" (Canção da Terra) ou Eine Symphonie für eine Tenor- und eine Alt- (oder Bariton-) Stimme und Orchester (nach Hans Bethges "Die chinesische Flöte") (Uma sinfonia para alto e tenor (ou barítono) e orquestra (a partir da "Flauta Chinesa" de Hans Bethges)) em vez de "Sinfonia no.9". Compôs, então, a sua 10ª sinfonia, (à qual chamou sinfonia no.9) numa tentativa de fugir ao seu destino, enganando a morte. Porém, morreu enquanto compunha a sua Sinfonia nº 10, deixando-a incompleta. À morte ninguém ganha.

É então no encalço desta introdução que vos falo do concerto que me trouxe aqui hoje.
Realizado na Gulbenkian no dia 29, a orquestra homónima, conduzida pelo maestro francês Bertrand de Billy executou a Sinfonia nº9, em Ré Maior, de Gustav Mahler.
Com um duradouro silêncio, doutamente respeitado pela plateia, Bertrand de Billy deu inicio aquela por muitos considerada a mais bela sinfonia de Mahler. Logo no primeiro andamento, Andante commodo, a tranquilidade harmoniosa com que a orquestra tocou transformou a atmosfera do auditório na do mundo característico das sinfonias Mahlerianas, retirando ao espectador tudo aquilo que o mantém preso à terra, abstraindo-o de todos os elementos circundantes, para além da música. Todas as minhas emoções oscilavam ao ritmo das trompas e dos privilegiados contrabaixos, que, tal como a música, escalaram vertiginosamente por uma parede de sons até um explosivo clímax.
No segundo andamento, este um pouco mais valsado e quieto, a atmosfera manteve-se, bem como o comportamento da orquestra, sempre fiel aquilo que era pretendido.
O terceiro andamento repôs todo o êxtase vivenciado no primeiro, caracterizando-se pela sua imponência expressionista e ao mesmo tempo grotesca.
A entrega total deu-se, porém, no último andamento - adagio - em que a peça atingiu o seu cúmulo apoteótico. As suas longas e lentas frases remeteram-me para um mundo transcendental, onde o enlevo foi imperante.
No fim desta sinfonia o maestro repetiu a façanha do início, submetendo-nos a um silêncio tão inquietante e assombroso como o resto da peça.
Para avaliar interpretações de Mahler imparcialmente é-me necessária uma capacidade abstractiva da qual não disponho, acabando sempre por me render à inclinação afectiva que tenho pelas peças deste compositor. Desta forma, e por não encontrar nada que me oriente diferentemente, sigo a voz das minhas sensações, que me diz para atribuir a este concerto a nota máxima.
Nota Final: 5/5
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