sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O Dissabor da Cereja


O Sabor da Cereja - Abbas Kiarostami

Dado o facto de ter sido vencedor da palma d'ouro de 97, ser uma amostra dum suposto brilhantismo Iraniano - algo totalmente diferente para nós - e aclamado positivamente por alguma crítica, o Sabor da Cereja tinha todos os ingredientes atractivos para ser um óptimo filme. Contudo, "The bigger the height the harder the fall".

A simplicidade do enredo poderia reduzir este filme a uma curta metragem: Um homem iraniano, hesitante em suicidar-se, procura cumplices para ajudá-lo a tomar essa decisão e auxiliá-lo no acto. O primeiro, um jovem recruta do exército, amedrontado com a obscuridade da proposta, foge a sete pés. O segundo, um seminarista aplicado, recusa a proposta dada a sua posição religiosa e as suas convicções e tenta dissuadir o protagonista de a levar a cabo. O terceiro e último, um biólogo com necessidades económicas, apesar de o fazer com alguma reluctância, aceita a sugestão proposta pelo "Sr Badhi" - o protagonista - e promete cumpri-la. Não obstante, é este [o biólogo] o personagem que mais tenta influenciar a decisão de Badhi, evocando momentos do seu passado em que se encontrara numa situação semelhante à do Iraniano. O desenlace da situação de Badhi é uma incógnita e o filme acaba com filmagens "cruas" (Rare footage) do próprio Kiarostami, os actores e toda a equipa a realizar o filme que acabáramos de ver. Ah, um "pormenor" : Mais de 80% do filme passa-se dentro de um Range Rover a ser conduzido pelo protagonista, as deslocações são todas em tempo real e o deserto é paisagem dominante em toda a hora e meia. "Pormenores"...

Dum ponto de vista puramente cinematográfico, não posso dizer que tenha gostado do filme. Apesar do tão elogiado “virtuosismo técnico” de Kiarostami e da excelente prestação do actor Homayon Ershadi (Sr Badhi) o Sabor da Cereja ficou aquém das minhas expectativas. A monocordia dos diálogos, a monotonia paisagística, a excessiva duração do filme e a forma superficial como os temas foram abordados são alguns dos pontos negativos que encontro neste filme. Talvez desse uma boa curta-metragem, mas nunca uma longa de 95 minutos. E na sequência desta crítica, rejeito alguns comentários que dizem que só acha este filme secante quem apenas tem olhos para grandes produções de Hollywood . Já vi filmes tão ou mais lentos quanto este, com muito menos diálogos e acção mais reduzida e adorei. A adaptação cinematográfica do Stanley Kubrick da obra prima de ficção científica de Arthur C. Clark “2001: A Space Odyssey” ou o pitoresco “Barry Lyndon”, do mesmo realizador são exemplos de filmes com durações na orla das 3 horas, repletas de cenas lentas e paradas, mas que ainda assim entram na minha lista de filmes preferidos. Até nos filmes de João César Monteiro, incluindo “A Comédia de Deus”, existem imensas cenas que nunca poderiam figurar numa produção hollywoodesca dada a sua falta de movimento ou de entretenimento gratuito e fácil, mas não foi por isso que deixei de adorar o filme. A diferença entre esses filmes e o Sabor da Cereja é que no último não há qualquer conteúdo estético digno de apreço. Em oposição a explosões de cores nunca antes vistas ou a estações espaciais a “dançar” ao som de valsas do Strauss, a motivos bucólicos duma beleza rara e a momentos pessoais e idiossincráticos duma serenidade impressionante (uma cena linda da Comédia de Deus em que uma mulher se deita na mesa do João de Deus e começa a “nadar”), neste filme apenas vemos areia, areia e mais areia. O problema pode ser a minha falta de sensibilidade estética, mas ainda assim….

Outra exprobração que considero essencial fazer a este filme é à inadequação da cena final, em que nos são mostradas filmagens da realização do próprio filme. Considero que a adição deste elemento meta- ficcional é totalmente despropositada e não tem nada que ver com o assunto em questão. Em “Persona” (em português “A Máscara”), de Ingmar Bergman, assistimos a constantes lembranças de que aquilo que estamos a ver é apenas um filme e nada mais, e no final há uma aparição de Bergman acompanhado pelo director de fotografia Sven Nykvist, também eles a projectar o filme e a filmá-lo, como Kiarostami neste. A grande diferença é que no primeiro (filme sobre a perda de identidade e da sanidade mental associada ao uso de “máscaras” e fingimentos) o realizador quer-nos mostrar que as personagens que vemos no filme são as actrizes Bibi Andersson e Liv Ulmann e que elas estão a usar uma “máscara” ao interpretar aquelas personagens, apesar de o fazerem duma forma tão realista e intensa, libertando-se quase de si próprias para desempenharem aqueles papéis. No último o sentido disso é …..? Mostrar que aquilo era só um filme? Enganar o espectador de alguma forma? Não consigo mesmo perceber qual foi o sentido daquela cena.

Dum ponto de vista filosófico também não achei o filme grande espingarda. Acho que das questões levantadas (Haverá legitimidade moral no suicídio? Deverá haver qualquer tipo de legislação sobre este? Fará sentido, em alguma situação, escolher a morte em detrimento da vida (excluindo coisas como a eutanásia e afins)? Devemos, em alguma situação, ajudar alguém a morrer? Ou dum ponto de vista mais pessoal - “como deveríamos agir se nos deparássemos com aquela situação?) apenas a primeira foi abordada com alguma profundidade no filme, mas acho-a também a menos interessante dum ponto de vista filosófico. A minha posição quanto a essa questão é extremamente redutora pois acho que o único entrave que vejo ao suicídio é de cariz religioso. Como defendo uma total laicização dos estados…..
Quanto ás outras questões (as interessantes), o filme limitou-se a raspar ao de leve pela sua superfície. Achei que os diálogos que as abordavam eram bastante prosaicos e até mesmo “clichés”. Um guião adequado a uma produção hollywoodesca.


Em suma, apesar de não ter gostado do filme, não o detestei e não o achei péssimo. Simplesmente não percebo o Juri de Cannes.

Nota final : 2/5

Q

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